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segunda-feira, 1 de fevereiro de 2016

Todo dia nasce o homem.
Todo dia estamos só.

Nesse momento, um ator recebe um texto nas mãos. Lê, sente, emociona-se.
Nesse momento, um dramaturgo inventa. Imagina, sonha, liberta.

Há dois segundos, uma luz se acendeu sobre o palco vazio. Uma memória se apagou. Uma palavra foi dita. Um som ecoou. A voz do ator chegou aos lugares onde nunca se pode alcançar. Nem os gregos entre colunas coríntias, nem os egípcios com os pés fincados na areia, nem os nômades dentro do gelo. A voz do ator chegou ao epicentro, ao núcleo. A palavra sonhada ganhou volume e um dramaturgo foi feliz.

Todo dia acontece um milagre.
Todo dia é dia de ser outro.

Nesse momento, setenta músculos se conectam para uma só expressão.
Nesse momento, dois olhos constroem pontes em direção ao universo de alguém.

Texto, suor e lágrimas. Braços, pernas e bocas. Estados, sentidos, texturas. Olhos, olhos, olhos. Verbo. Texto, texto, texto. Corpo, corpo, corpo. Diafragma. Pulmões, pulmões! Luz. Plateia. Silêncio.

– Façam silêncio!

Todos os dias nascem outros estados de vínculo, um ator nasce, um diretor se entende, um homem escreve uma frase, um público se forma, um teatro é destruído. Todos os dias, uma hipocrisia é derrotada, um preconceito é desfeito, um idiota insiste. Nesse momento, não há mais palavra, não há mais tempo. É tempo de sangue novo, faca afiada, sexo e combustível. É hora de se dar. De doar o vício de ser alguém. De existir. De se fazer, ser.

“De que serve ter o mapa se o fim está traçado
De que serve a terra à vista se o barco está parado
De que serve ter a chave se a porta está aberta
De que servem as palavras se a casa está deserta”

Pedro Abrunhosa



Setembro de 2015
PS: essa música me salvou em setembro de 2014.

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