Todo dia nasce o
homem.
Todo dia estamos
só.
Nesse momento, um
ator recebe um texto nas mãos. Lê, sente, emociona-se.
Nesse momento, um
dramaturgo inventa. Imagina, sonha, liberta.
Há dois segundos,
uma luz se acendeu sobre o palco vazio. Uma memória se apagou. Uma palavra foi
dita. Um som ecoou. A voz do ator chegou aos lugares onde nunca se pode
alcançar. Nem os gregos entre colunas coríntias, nem os egípcios com os pés
fincados na areia, nem os nômades dentro do gelo. A voz do ator chegou ao
epicentro, ao núcleo. A palavra sonhada ganhou volume e um dramaturgo foi
feliz.
Todo dia acontece
um milagre.
Todo dia é dia de
ser outro.
Nesse momento,
setenta músculos se conectam para uma só expressão.
Nesse momento,
dois olhos constroem pontes em direção ao universo de alguém.
Texto, suor e
lágrimas. Braços, pernas e bocas. Estados, sentidos, texturas. Olhos, olhos,
olhos. Verbo. Texto, texto, texto. Corpo, corpo, corpo. Diafragma. Pulmões,
pulmões! Luz. Plateia. Silêncio.
– Façam silêncio!
Todos os dias
nascem outros estados de vínculo, um ator nasce, um diretor se entende, um
homem escreve uma frase, um público se forma, um teatro é destruído. Todos os
dias, uma hipocrisia é derrotada, um preconceito é desfeito, um idiota insiste.
Nesse momento, não há mais palavra, não há mais tempo. É tempo de sangue novo,
faca afiada, sexo e combustível. É hora de se dar. De doar o vício de ser
alguém. De existir. De se fazer, ser.
“De que serve ter o mapa se o fim
está traçado
De que serve a terra à vista se o barco está parado
De que serve ter a chave se a porta está aberta
De que servem as palavras se a casa está deserta”
De que serve a terra à vista se o barco está parado
De que serve ter a chave se a porta está aberta
De que servem as palavras se a casa está deserta”
Pedro
Abrunhosa
Setembro de 2015
PS: essa música me salvou em setembro de 2014.
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