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terça-feira, 2 de fevereiro de 2016

Sobre verdades e encontros

Grupo Imagens de Teatro dá sentido novo à peça “Dois Perdidos numa Noite Suja”

Os atores Aluísio Barbosa Filho e Fábio Frota


Não há espaço para a fantasia. É tudo realidade. Essa afirmação está valendo para a obra completa de Plínio Marcos (1935-1999), dramaturgo que trouxe o beco, o cárcere, o sujo e o inutilizado para a cena principal. E não é difícil dizer que vale também para o trabalho do Grupo Imagens de Teatro de Fortaleza/CE. Sob a direção de Edson Cândido, os atores deixam suas idiossincrasias de lado para se encherem de rua, prostíbulos, mercados e formarem homens e mulheres reais, de verdade.

Em “Dois Perdidos numa Noite Suja”, o clássico se remonta e ganha novo tempo nas mãos do grupo. Não há referência nos famosos filmes de mesmo título (1970, por Braz Chediak e 2002, por José Joffily). A cena está próxima ao público, solução cênica encontrada por Cândido em seus espetáculos anteriores como “Navalha na Carne” e “Dr. Qorpo”. O recurso, que faz o público criar uma empatia ainda maior sobre os personagens, os elementos cênicos dispostos no cenário e a dramaturgia, funciona bem nas obras de Plínio. Aliás, antes de falar sobre o espetáculo, vale a pena citar mais caraterísticas que o grupo desenvolveu e o público sempre irá assistir ao encontrar as obras do “Imagens”: a cena começa sempre antes do público chegar (do hall de entrada, antes de entrar, não estranhe caso escute gritos, músicas, batidas, gemidos, xingamentos, correria...). Outro signo: após assistir essas obras, bata um papo com elenco e direção e verás que a sala de ensaio não foi o suficiente para a montagem. Sempre é preciso ir a lugares onde a história se passa e viver aquele local. São puteiros, mercados municipais, cinemas pornôs, clínicas psiquiátricas e prisões. Observa-se, anota-se, absorve-se, reinterpreta-se. Sob a luz da cena, cabe aos atores dar novo sentido ao que foi registrado.

Em “Dois Perdidos”, os atores Fábio Frota e Aluísio Barbosa Filho dão conta do recado e aguentam o tranco. O texto não é fácil. Ali, Plínio passeia com excelência entre a intensa introspecção e um alto grau de violência física e psicológica, atravessando um lugar de reflexão política e social brasileira, ou melhor, humana. Não há coxia e os poucos elementos ali presentes – atenção para a estátua de São Jorge, santo protetor de Plínio Marcos – logo dão espaço para o sapato que Tonho tanto deseja e Paco tanto ostenta. Eis o conflito.

Entretanto, o grande trunfo do trabalho são as atuações dadas pelos atores e o caminho que a direção seguiu. Logo acima, citei o método de trabalho do grupo. Esse é o grande recurso, utilizando com inteligência e profunda delicadeza nessa peça. O suor que escorre pelo rosto incessantemente, a respiração ofegante, o choro rasgado, o grito atordoante e os olhos cheios de brilho se unem para ativar o gesto, a ação: querer um sapato. O que uma vontade de querer algo pode resultar? Este é um espetáculo de fala de vontades, de verdades: cada um tem a sua e não, necessariamente, dependem da do outro para existir. Quando dependem, conflitos podem aparecer e o resultado pode não ter retorno. Este é um espetáculo sobre verdades, as de todos nós e que são escancaradas por dois ótimos atores dirigidos por um ótimo diretor durante pouco mais de 60 minutos. Este é um espetáculo para não ter medo, apesar dos medos que nos fazem indivíduos. É preciso coragem para fazer o trabalho que o Grupo Imagens de Teatro faz.

Setembro de 2015

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